quinta-feira, 21 de maio de 2009

Como a chuva

(Canção composta a partir da peça "Talk to me like the rain and let me listen" de Tennessee Williams)

Chegou da orgia
Num triste dia
Tava sumido
Não se explicou
Deitou na cama
Puxou um ronco
E ela, paciente
Esperou

O despertar do seu amor
Já se esqueceu como é amar
Por mais três dias ele dormiu
Por mais três dias ela observou
Não levantou, não se mexeu
Não fez barulho, não o acordou

Amarrotado
Todo babado
O homem dela
Se espreguiçou
Com a voz rouca
Pergunta a hora
Ela não sabe
O tempo parou

Ao longe toca um bandolim
Lá fora a nuvem chora
Do emprego dele só sobrou um cheque
Que ele não lembra nem se descontou
Não encontrou, bebeu, perdeu
Não sabe o que fez, mas nada sobrou

Ele e ela
Ela e ele
Como aí foram parar
A esperança e a felicidade
Devem estar no mesmo lugar
Eles não sabem onde está

Ainda confuso
Força a memória
A trajetória
Que o desgraçou
Tava pelado
Todo gelado
Numa banheira
Quando acordou

Num quarto de um estranho hotel
Seu corpo inteiro reclama
Era comida para todo lado
Roupas jogadas, tudo espalhado
Soutiens, calcinhas, meias
Vidro quebrado, móveis derrubados

Sente ciúmes
Mas nada fala
Só vai guardando
O que a magoou
Se aproximam
E pelo toque
Despertam o que
Antes os juntou

Começa ele a divagar
Que ainda podem se entender
Enquanto ela estava abandonada
Não comeu nada, apenas bebeu água
Era o que tinha, o que restou
E ele, chocado, forte a abraçou

Ele e ela
Ela e ele
Como aí foram parar
A esperança e a felicidade
Devem estar no mesmo lugar
Eles não sabem onde está

Pede, implora, para agora ela falar
Despejar como a chuva a ladainha do seu penar
Pede, implora, para com ele ela falar
Despejar como a chuva seja o que for que esteja a pensar

E ela quer é ir embora
Um nome falso adotar
Numa pensão no interior
Não ter com o que se preocupar
Uma velhinha arrumadeira
A sua cama arrumará
Toda semana chegará um cheque
Em quem possa confiar

E o seu quarto será sempre fresco
As suas roupas serão sempre limpas
A sua vida uma praia deserta
Sem conhecidos para a perturbar
Dias e dias só ouvindo a chuva
A sua pele não terá mais rugas
Nem os seus olhos serão inflamados
Sozinha e lendo se distrairá

O tempo vai passar e ela nem vai perceber
Só irá notar o seu cabelo a embranquecer
Do mundo retirada, imaginários amigos terá
Cada vez mais leve e magra, quase irreal irá ficar
Quando chegar nesse ponto ela não mais vai se lembrar
Das pessoas que conhecia antes de se retirar
Com elas vai sumir a sensação de esperar
Por alguém que não se sabe se um dia vai voltar
E então chegará a hora de sair pra passear
Com seu corpo diminuindo até sumir e o vento carregar

Pede, implora, para a cama ela voltar
Desistir do devaneio de não mais com ele ficar
Pede, implora, para na cama ela deitar
Desistir do devaneio de ir morar em outro lugar

Ele a solta, ela soluça
Senta na cama, ele suspira
Aos poucos os soluços morrem
E ela o chama pra deitar